segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 3

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: André Sanches (Sony)
Revisor: Victor Silva (Kratos)

A parte anterior do livro encontra-se aqui.
A parte seguinte do livro encontra-se aqui.
O índice com todas as partes do livro encontra-se aqui.



Meu pai, o herói


A fundação do parkour vem do seu pai e da trajetória de vida extraordinária dele. É preciso cavar fundo nela para encontrar as raízes do que ele passou para você, tanto como um pai quanto como um homem. Pode nos dizer quem era Raymond Belle?


Meu pai nasceu em 1939 em Hué, Vietnã, de um casal misto. O pai dele era um médico francês do exército colonial e a mãe dele era vietnamita. Ele veio de uma família numerosa - ele tinha cerca de dez irmãos. Eles viviam bem, em uma bela casa, eram donos de cavalos. Mas o conflito pela independência do Vietnã se transformou em uma guerra, e sua infância virou um pesadelo. Enquanto ele estava em férias na casa de um tio, ele encontrou-se afastado de sua família por uma linha de frente que dividiu o país em duas partes. Ele não podia voltar para seus pais e tinha que ficar nesta família, onde ele passou por momentos difíceis. Depois de um tempo, o tio que não queria cuidar mais dele o colocou em uma escola militar perto de Dalat, conduzida pelos franceses. Meu pai tinha sete anos na época. Foi um verdadeiro choque para ele. Ele não tinha pedido nada daquilo e se viu, da noite para o dia, em um acampamento para órfãos. Não era o que ele tinha sido criado para esperar: ele veio de uma família rica e de repente encontrou-se em uma vida miserável, a anos-luz do que ele tinha conhecido até então; uma escola militar onde você tinha que lutar para ganhar respeito, onde sua mãe não estava mais ali para te confortar. Em Dalat, era correr ou morrer - a sobrevivência do mais apto. A guerra da Indochina (pré-guerra do Vietnã) estava no auge e aqueles orfãos eram treinados para se tornarem soldados. Eles aprendiam técnicas de luta, longas caminhadas nas montanhas, montagem e desmontagem de armas no escuro... Tudo o que eu aprendi quando estive no exército, com dezenove anos. Mas ele teve que fazer quando criança, ele não teve escolha. Para sobreviver, ele rapidamente entendeu que não podia confiar em ninguém além de si mesmo e que tinha que se tornar o melhor lutador.

Quanto tempo ele ficou nessa "escola"?


Ele ficou lá por nove anos. Após a derrota de Dien Bien Phu, em 1954, ele foi enviado de volta para a França num barco. Ele encontrou-se em um acampamento com outros refugiados na região de Lyon. O exército francês cuidou dele e de sua educação militar até 1958. Um ex-residente de Dalat, que tinha ficado impressionado com as capacidades físicas dele, sugeriu que ele se juntasse ao prestigioso Pelotão de Bombeiros de Paris. Isso foi provavelmente o melhor conselho que ele recebeu. De repente, tendo sido treinado para lutar e matar, meu pai encontrou-se salvando vidas. Não era originalmente sua vocação e ele teve que se adaptar, mas ele se destacou ao fazê-lo. Isso deu um sentido para todo o seu treinamento na selva vietnamita. Ele colocou seu coração e sua alma nisso. Ele sempre era  voluntário para missões perigosas. Se houvesse um telhado ou uma sacada para subir, ele iria. Seu senso de coragem, auto-controle e auto-sacrifício eram impressionantes: ele poderia dar a vida para salvar a de outra pessoa. Seus companheiros do pelotão o apelidaram de Kamikaze, mas esse não é o nome que eu daria a ele, pois tal nome transmite um sentimento imprudente e auto-destrutivo, ao passo que ele não estava pronto para se lançar em qualquer situação que aparecesse. Ele era apenas o primeiro a ir, antes dos outros. Enquanto seus colegas bombeiros ainda estavam em seus medos, hesitantes, ele iria porque ele já havia avaliado perigo e pesado os riscos em sua mente. Ao longo de sua carreira, meu pai colecionou resgates difíceis que lhe renderam diversos prêmios e medalhas. Seus chefes sabiam que podiam sempre contar com ele. Um dia, quando ele estava de folga, ele foi chamado para uma missão perigosa: retirar uma bandeira da torre da catedral de Notre Dame, colocada lá por manifestantes. Ironicamente, era uma bandeira vietcongue. Ele me mostrou artigos de jornais sobre essa missão, que remonta a 1969, nos quais ele está no céu, pendurado em um cabo sob um helicóptero, se aproximando de Notre Dame. Ao ler o artigo, eu estava me perguntando por ele e não outro bombeiro? Então compreendi que ele tinha esse algo a mais, e esse algo era confiança. Ele tinha uma auto-confiança total. Quando ele dizia que poderia fazer alguma coisa, as pessoas acreditavam nele. Ele sempre teve essa auto-confiança em todas as áreas da sua vida. Depois de deixar o pelotão de bombeiros em 1975, ele trabalhou para empresas privadas e foi responsável pela segurança de grandes edifícios parisienses, como a Torre de Montparnasse. E a cada vez, seus empregadores ficavam impressionados com a sua eficiência. Quando ele estava no comando, tudo se desenrolava suavemente. Ao longo de sua carreira, ele também se destacou por seus feitos atléticos. Ele foi parte da equipe de treinadores de ginástica dos Bombeiros de Paris, fazendo demonstrações para bombeiros jovens ou ao público. Ele também foi várias vezes o campeão militar nacional no salto em altura e no salto em distância.

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