sexta-feira, 12 de maio de 2017

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 12

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

A parte anterior do livro encontra-se aqui.
O índice com todas as partes do livro encontra-se aqui.


Você sente que compartilhava mais com ele do que outras crianças compartilhavam com os pais delas?


Eu penso que tive uma comunicação muito melhor com meu pai estando afastado do que se ele estivesse lá comigo o tempo todo. Ambos meus meio-irmãos o conheceram vivendo em casa mas eles nunca tiveram as conversas que eu tive com ele. Eu me orgulhava dos meus irmãos mais velhos Jean-François e Daniel, mesmo não vendo o último com frequência. Hoje posso dizer que Jean-François desempenhou um papel importante no desenvolvimento do Parkour. Ele desencadeou certas coisas, fez perguntas, me contou sobre meu pai e seus feitos, me mostrou fotografias e documentos. Ambos meus irmãos eram personalidades fortes, de maneiras opostas. Jean-François era um bom estudante na escola; ele se tornou um bombeiro e seguiu essa carreira. Por outro lado, nosso irmão mais velho, Daniel - que era dez anos mais velho do que eu -, seguiu um caminho muito mais tortuoso com um final trágico. Ele caiu nas drogas, o que o levou a assaltos à mão armada, e ele foi condenado à prisão por isso. Quando saiu da cadeia, nós pensamos que ele estaria bem. Ele tinha encontrado um trabalho - ele estava trabalhando como cenógrafo no teatro e parecia muito confiante. Mas então, após alguns meses, ele morreu de overdose. Acredito que sua vida e os problemas pelos quais ele passou também tiveram uma grande influência no meu relacionamento com meu pai. Acho que meu pai pensava ter perdido algo com aquele filho, pensava não estar à altura. Ele provavelmente se sentiu culpado e tentou compensar isso comigo, me dando as coisas que ele não teve tempo de dar para Daniel, para que eu não seguisse pelo mesmo caminho. Daniel tinha sido impulsionado para aquela direção por pessoas que não eram necessariamente boas, e meu pai quis evitar que eu fosse pelo mesmo caminho.

Foi fácil para você ouvir seu pai, já que ele não te criou?


Eu nunca fiquei com raiva por ele ter deixado seu lar, sua esposa, para ir a outro lugar. Eu não podia ficar furioso com ele: ele tinha suas razões, suas desculpas. E após procurá-lo por tanto tempo, eu acabei entendendo o que estava na mente dele, os sofrimentos pelos quais ele tinha passado quando criança. Isso não significa que eu não sentia falta dele - eu sentia. Se um dia eu tiver filhos, eu tentarei fazer com eles o que eu nunca fiz com meu pai, ou melhor, o que eu gostaria de ter feito com ele. Mas de qualquer forma, eu o escutei, eu fui muito cuidadoso com tudo que ele me disse e eu literalmente bebi suas palavras. Na vida em geral as pessoas que eu mais respeito não são aquelas que leram um milhão de livros, e sim aquelas que viveram coisas - você consegue ver suas vidas passando em seus olhos como um filme. Eu presto mais atenção nessas pessoas porque eu sei que elas falam por experiência, que elas aprenderam a partir dos próprios erros. E meu pai era esse tipo de homem. Ele sabia onde estavam as armadilhas e os becos-sem-saída, e seu aconselhamento me ajudou a evitar que eu caísse de cara neles. Ele me dizia: "Viver desse ou desse jeito não vale a pena, então não o faça", e me dava exemplos. Eu ainda consigo vê-lo falando comigo com tamanha calma e confiança. Graças a ele, eu realmente amadureci mais rápido e tenho o sentimento de que não perdi tempo me desviando do caminho. Certamente, eu poderia dispensar tudo e dizer que era besteira, mas eu também ouvia os outros bombeiros falando sobre ele e eu sabia que era a verdade. Ele nunca me contou mais do que ele tinha feito. No seu dia-a-dia, meu pai nunca se exibiu. Ele nunca dizia aos seus camaradas: "Ei, cara, eu fiz essa coisa incrível hoje..." Ele não precisava se gabar sobre o que ele fazia - as pessoas sempre acabavam sabendo, de um jeito ou de outro. Essa era a sua força. As únicas coisas sobre as quais ele nunca me falou foram talvez alguns aspectos negativos da sua personalidade que ele não queria que o filho dele visse. Meu pai tinha seus defeitos - ele não era perfeito - mas suas numerosas qualidades apagavam todo o resto. E sua boa natureza frequentemente era usada contra ele. As pessoas podiam usar e abusar dele porque ele não conseguia recusar-se a ajudar quando pediam. Ele não pode ser culpado por qualquer dano que ele possa ter feito em sua vida porque ele realmente era uma pessoa boa de coração.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 11

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

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O índice com todas as partes do livro encontra-se aqui.


Como era essa filosofia que ele te ensinou?


Meu pai me guiou, me trouxe respostas para assuntos simples e situações com as quais todo mundo se depara na vida. Meu avô tinha me ensinado os aspectos práticos da vida - como manter uma casa, cuidar de mim mesmo, me expressar da forma adequada e etc. Meu pai me ensinou como me comportar, tanto comigo mesmo quanto com outras pessoas, como encarar o mundo, os ataques e armadilhas que me aguardavam. Ele tentou me fazer entender como as coisas funcionam na vida, e todas as coisas com as quais eu me depararia: trabalho, amigos, mulheres, dinheiro... Ele me dizia: "Não dependa dele desesperadamente. Se estiver lá, bom. Mas se não estiver, não se atormente para entender por que você não é rico. Permaneça fiel aos seus valores fundamentais." Ele me encorajava a ter pensamentos corretos. Eu só tinha catorze, quinze anos, mas graças ao meu pai eu era bem maduro para a minha idade. De certa forma, ele tinha avaliado suas realizações e era como se ele tivesse entendido coisas que ele poderia ter evitado enquanto jovem ou adulto, e ele estava passando isso para mim. Eu sabia que ele estava me dando tudo o que podia para que eu não cometesse os mesmos erros. Ele me disse: "Você vai descobrir que na vida é difícil fazer malabarismos com  cinco bolas. Mas ao invés de se aborrecer com isso, ou reclamar, pergunte a si mesmo se fazê-lo é necessário ou útil." Ele me ensinou tanto que, nos dias de hoje, eu sempre questiono o objetivo de alguma coisa ou de uma pessoa nova entrando na minha vida. Eu entendi que seres humanos em geral são maus. Maus porque eles sempre acabam ferindo alguém ou tentam tirar vantagem em cima dos outros. Existem poucas pessoas verdadeiras, boas e honestas na Terra. E é isso que deveriam nos ensinar na escola: estar ciente de quem é verdadeiro, tendo a capacidade de diferenciar as pessoas que estão tentando abusar de você das pessoas honestas, reconhecer uma declaração real, escutar as pessoas e conseguir ver através delas. Sem meu pai, eu não conseguiria fazer isso. Ele sempre me contava exemplos que mostravam que o homem e a vida são entrelaçados: não há preto ou branco. Ele nunca julgava alguém pelo comportamento, bom ou ruim. Ao invés disso ele me disse para ver a intenção, se era uma intenção boa ou uma ruim. For exemplo: um cara que trai a esposa pode fazer isso por boas razões, para salvar seu casamento, e inversamente um outro esposo vai se manter fiel mas transformar a vida da sua esposa em um inferno. O que mais importava para o meu pai era respeitar os outros e ser honesto.

Como essas trocas de experiências com seu pai aconteciam?


Eu tinha que ir procurá-lo, senão nada acontecia. Por exemplo, se eu passasse a tarde no quarto do meu primo e meu pai estivesse na sala de estar, no andar de baixo, ele não vinha me ver. Seu lema era: "Se meu filho quiser saber coisas sobre mim, sobre minha vida, ele terá que vir e me perguntá-las." Meu pai dormia em uma tenda no jardim, até mesmo no inverno. Eu olhava para ele pela janela do meu quarto e dizia a mim mesmo: "Eu tenho que ir lá conversar com meu pai. Eu estou aqui há dois dias, e eu preciso fazê-lo antes que seja tarde e eu me arrependa." Eu tinha um impulso, uma necessidade vital. Eu queria conversar com ele sobre tudo pelo que ele tinha passado. E quando eu estava com ele, ele podia falar comigo sobre qualquer coisa. Ele podia me ensinar a cozinhar, me ensinar sobre carros, sobre seres humanos. Ele me dizia: "Você vai conhecer mulheres desse ou daquele jeito e serão experiências diferentes. Mas tem que te agregar em algo; você tem que aprender a conhecer as mulheres e, portanto, conhecer a si mesmo." Ele queria que eu evitasse os erros que ele cometeu e não queria que eu perdesse meu tempo em um relacionamento que não era pra mim. Caras que pensam que eles têm toda a vida pela frente e que vão ter o máximo de mulheres que eles conseguirem só podem acabar ferindo as garotas. Qual o ponto em partir um coração? Não há energia positiva nisso.

Depois de tudo o que meu pai me ensinou sobre as mulheres, eu não podia me gabar na frente dele. Se eu trouxesse uma garota para casa, eu podia sentir a pergunta essencial nos olhos dele: "Ok, filho, você trouxe uma garota bonita. Você pode até mesmo trazer dez. Mas você pode me dizer se ela é a garota certa? Você a está trazendo aqui porque você a ama ou porque você está tentando se gabar em frente aos outros, em frente aos seus camaradas?"

Hoje, eu simplesmente não posso jogar um jogo ou ser falso, pois ele me ensinava tão frequentemente a ser autêntico e a me sentir mal ao mentir, trair ou fazer coisas pelas razões erradas. Meu pai tinha conhecido muitas mulheres mas ele confessava que não era exatamente orgulhoso disso. Ele nunca me disse "Ei, é ótimo ter muitas garotas! Vá e se divirta, David!" Na verdade, era mais o oposto: "Você pode sair com cem mulheres mas, no fim, se você não conseguir se lembrar de todas e cada uma delas, qual o sentido? Se você não puder se lembrar de nomes, rostos, momentos vividos com elas, então você perdeu algo. Você poderia ter evitado sair com algumas delas e feri-las." Para ele, o que realmente importava era encontrar a pessoa certa, com a qual eu dividiria minha vida. Essas lições de meu pai me impediram de cometer muitos erros estúpidos, de começar algo que eu não poderia terminar. Elas me ajudaram a desenvolver uma visão afiada das pessoas e a não ser focado apenas em aparências.