sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Mova-se como um ser humano: Por que você não deveria "fazer exercício"

Tradução livre do artigo Move Like a Human: Why You Shouldn’t Exercise, de Dan Edwardes da Parkour Generations
Traduzido por: Victor Silva (Kratos)


Você está pronto para isso?

Você precisa parar de fazer exercícios. Em vez disso, você precisa começar a se movimentar.


O que eu quero dizer com isso? Bem, quando pensamos em exercícios, nós tipicamente imaginamos repetições, de alta frequência e pouca variedade, de padrões de movimentos consecutivos e limitados. Você vai à academia ou à quadra de esportes ou à pista de corrida 3-5 vezes  por semana por 30-60 minutos, fica muito suado e sem fôlego repetindo uma rotina de movimentos altamente previsível que pode ou não seguir as funções naturais do corpo humano. Até mesmo os paradigmas de 'treinamento funcional', que agora permeiam a indústria fitness, na realidade estão apenas encontrando padrões novos para colocar no lugar dos velhos - kettlebells no lugar de halteres, pull ups em argolas no lugar de pull ups em barras fixas - , e acabam produzindo os mesmos resultados: atletas com tecidos especificamente fortalecidos junto com tecidos subdesenvolvidos, levando a cargas não saudáveis, deformações e lesões.



Nossos corpos não foram feitos para isso. Esse modo de se mover - explosões curtas e intensas de variedade limitada, cercadas de horas de inatividade e um modo de vida sedentário - é um fenômeno muito recente na evolução humana. Talvez tenha alguns poucos séculos, no máximo. Não é a finalidade do corpo, não nos alimenta fisica ou mentalmente, e os resultados são evidentes na debilitação física geral e na falta de habilidades de movimentação do ser humano moderno. O treinamento fitness ou é cumprido para propósitos estéticos - queimar gordura e construir físicos musculares - ou para suplementar práticas esportivas específicas que têm baixas demandas em termos de complexidade e adaptabilidade de movimentos. Olhe, por exemplo, a definição atual de agilidade - "trocar de direção em alta velocidade" - e me diga se ela não apareceu como resultado de esportistas competidores que precisam se esquivar de seus oponentes. Mas se essa é a sua definição de agilidade, você nunca viu como um macaco se move, ou um leopardo. Ou, de fato, uma criança brincando.

Nossa movimentação deve ser muito mais: altamente variada, constantemenete em mudança e em adaptação, trabalhando com alinhamentos e demandas estranhas, desafiando a mente tanto quanto o corpo... E isso é o que leva à saúde: não ao fitness, não às forças especializadas, não a um colapso físico gradual - à saúde. Um conceito bem diferente.

Exercício é uma parte da movimentação, só isso. É uma parte útil, às vezes, e pode ser divertida, desafiadora, recompensadora, e construir uma comunidade. Mas é apenas isso: uma parte. Limitar seu conceito de movimentação a qualquer que seja sua forma de exercício é limitar seu potencial àquela forma bem restrita de movimento.

A toda hora nos perguntam porque atletas praticantes de Parkour são tão habilidosos, tão fortes e ágeis e tão capazes de uma forma geral. A resposta não está em nenhuma técnica mágica ou método de treinamento. Na verdade, a resposta é encontrada na ausência de um único método de treinamento. É porque praticantes de Parkour se movem completamente, propriamente e holisticamente, e tipicamente eles fazem isso durante uma boa quantidade de tempo todos os dias. A brincadeira deles se tornou sua disciplina. Eles seguiram sua real natureza.



Além disso, eles deixaram a movimentação "vazar" para todos os momentos do dia - brincando com a arquitetura que encontram enquanto caminham, experimentando novos movimentos enquanto relaxam no parque, e até mesmo andando muito mais para explorar o ambiente e encontrar bons pontos de treino. Parkour é uma verdadeira cultura de movimento, uma das poucas encontradas nas modernas sociedades industrializadas.

A chave para desenvolver igualmente todas as partes do seu corpo, e assim ser holisticamente saudável, é usar seu corpo de forma igual e como um todo. Apenas correr, não - antinatural. Apenas levantar pesos, não - antinatural. Apenas escalar, apenas rastejar, apenas pular, apenas jogar squash - não, não, não e não. Sozinha, qualquer uma dessas formas de movimentação promoverá um desenvolvimento antinatural e não saudável. Mas misture tudo, combine todos esses movimentos e coloque o corpo em padrões de movimentação holísticos que requerem constante adaptação e variação, e você se aproximará mais da forma como desenvolvemos essa forma física incrivelmente capaz.

Mas também é um erro isolar esses componentes de movimentação natural e pensar que isso será efetivo: combinações de técnicas separadas praticadas consecutivamente mas ainda isoladamente. Isso é perder o ponto inteiramente - pensar que se pode desconstruir a necessidade dos nossos corpos por padrões de movimentos variáveis e complexos, e substituir isso por subconjuntos treináveis - como, por exemplo, se equilibrar em pedaço de madeira por 30 minutos, ou ficar executando apenas um movimento repetidamente.

O segredo é aplicar esses componentes como partes de um todo. Movimento é mais do que a soma das suas partes. O Parkour produz humanos que parecem super capazes simplesmente porque todo seu paradigma de treino, desde o primeiro dia, são desafios de movimentação que não são excessivamente desconstruídos ou dividos em componentes. O cérebro, o sistema nervoso, os tecidos, tudo é testado igualmente e todo o sistema tem que trabalhar em uníssono. Fluindo.

Eu acho que isso é empírico, e não teórico. De longe, o grupo de humanos mais competente e adaptativo que eu encontrei é a comunidade do Parkour. Eles são generalistas especialistas. Não tão especializados como outros esportes e exercícios - saltadores de distância pulam mais longe, levantadores de peso conseguem mover mais peso, corredores de velocidade conseguem cobrir 100 metros mais rapidamente -, mas praticantes de Parkour são mais capazes, de uma forma geral, e têm um patamar mais alto de fisicalidade, movimentação natural e integração corpo-mente do que qualquer outra subcultura atlética que eu já encontrei.

Quer uma prova? Visite o YouTube e veja a variedade, a complexidade e a escala de movimentos que praticantes de Parkour fazem regularmente, e fazem por diversão e com facilidade. Então, tenha em mente que a vasta maioria desses indivíduos nunca seguiu uma abordagem programada e padronizada de exercícios, nunca calculou sua carga máxima de repetição única (1RM), e nem fez treinamento de ginástica - eles são produtos de constantes desafios cada vez mais difícieis de movimentação adaptativa nos seus terrenos naturais, sejam eles rurais ou urbanos. Eles podem se adaptar a quase qualquer outro paradigma com razoável facilidade, são experts em administrar risco e medo, e seu treinamento traz a eles um profundo prazer e crescimento em todos os sentidos. Eles não começaram desse jeito, eles desenvolveram essas habilidades e atributos com o tempo. Eles não são super-humanos ou abençoados geneticamente, e eles vêm em todas formas e tamanhos. Eles são você depois de anos de treinos de movimentação, e não de exercícios.



Então, quais são os componentes chave para a saúde do movimento? Aqui está meu top-3:


  1. Adaptação: paradigmas ou ambientes de treinos repetitivos criam alienação, danos por excesso de uso e capacidade limitada. Varie sua rotina de treinos e seus padrões de movimentação, e explore seus ambientes ao máximo. Grunhir e se esforçar por repetições infinitas de exercícios isolados e inúteis pode queimar gordura e  fazer seus músculos ficarem maiores, mas não fará de você o verdadeiro "movimentador" que você deveria ser. Misture, brinque, explore, quando um desafio de movimentação o cansar, comece a trabalhar em algum outro para deixar seu corpo se recuperar. Não existem "dias de braços" ou "dias de pernas", existem apenas dias do corpo inteiro. Deixe tudo mais forte e mais móvel em equilíbrio com todo o resto.
  2. Mover-se holisticamente: evite desconstruir demais seu movimento. Vou dizer novamente: movimento é mais do que a soma das suas partes. Se você reduzir seus padrões para sequências lineares e fechadas, adivinhe só - será apenas com isso que você conseguirá lidar. Direcione seu pensamento para o intuito de encontrar desafios de movimentação que sejam peculiares, tecnicamente desafiadores, e requiram que o corpo pense para conseguir resolver o problema. Encontre desafios de movimentos únicos treinando ao ar livre em estruturas que não foram planejadas com esse propósito, e as micro-variações que vão surgir em uma habilidade regular lhe farão um bem imenso.
  3. Treinamento orientado a tarefas: seus movimentos diários devem incluir desafios reais, e com isso eu quero dizer que eles precisam ser tarefas que você não tem certeza de que vai conquistar na primeira tentativa. Eles devem ser difíceis o bastante para que, para superá-los, você tenha que engajar todo o seu sistema: mente, corpo e espírito. Não tenha medo de se pressionar dessa forma; a maioria dos ganhos são feitos naquela pequena área no limite das suas capacidades, onde o sucesso e o fracasso interagem. Isso significa uma boa mistura de dificuldade técnica, física e mental. Isso vai exigir que o seu consciente relaxe um pouco e deixe suas habilidades inconscientes - suas capacidades atléticas e animalísticas naturais - venham à tona para ajudá-lo a ter sucesso. E elas virão. Elas se escondem em todos nós, logo abaixo das nossas superfícies programadas em excesso e desconstruídas.
Eu não acho que dominar nossa movimentação seja a coisa mais difícil do mundo. Ela simplesmente requer que usemos nossos corpos da forma que eles podem e deveriam ser usados. Isso, de um ponto de vista evolucionário, significa cruzar terrenos e superar obstáculos regularmente. O que é realmente suspreendente é que todos temos esse potencial, e mais de dez anos treinando e ensinando Parkour removeram da minha mente a menor dúvida de que qualquer um com vontade o suficiente pode alcançar essas incríveis técnicas e habilidades de movimentação. A comunidade do Parkour continua a crescer cada vez mais, com os adolescentes de hoje superando com facilidade os movimentos mais difíceis de apenas dez anos atrás. Eu penso que é porque o Parkour revela nosso verdadeiro potencial holístico como seres humanos. E vai continuar indo a alturas mais altas.

Então não vamos tentar fazer exercícios como máquinas, ou nem mesmo nos mover como animais - vamos nos mover como seres humanos e dar o próximo passo.

Dan Edwardes

Nenhum comentário:

Postar um comentário