sexta-feira, 11 de março de 2016

Palavras e ações: Uma filosofia do Parkour

Tradução livre do artigo Words and Actions: A Parkour philosophy, de Stephane Vigroux
Traduzido por: Victor Silva (Kratos)


Algo que aprendi bem cedo quando eu comecei minha jornada no Parkour foi pensar duas vezes antes de abrir minha boca. Antes, durante e após os treinos. Tudo podia ser desafiado e testado na hora. Além de serem verdadeiras feras quando em ação, os veteranos do Parkour com quem eu treinei também eram muito cautelosos ao usar as palavras para falar de algum salto ou desafio.

Primeiramente, não há nada fácil demais. Respeite o salto. Respeite o obstáculo e o processo de superá-lo. Sempre. Eu fui pego raras vezes por David (NdT: Belle), após conquistar um salto ou obter sucesso em um desafio, dizendo: "isso foi fácil!". Ele instantaneamente me repreendia e me explicava que não é porque eu consegui realizar o salto que ele era fácil. Isso era arrogante e desrespeitoso para com o salto. Para ele, a relação e a conexão que ele criava com um obstáculo eram baseadas em respeito e valorização. Na maioria das vezes, é preciso bastante tempo e trabalho duro para conseguir realizar um salto, esse processo é feito de esforço e dor e não deveria ser retirado instantaneamente com um "foi fácil" imediatamente após o salto. Não era fácil até o último segundo antes de ser realizado.

Além disso, dizer que é fácil é para preguiçosos. Se eu dissesse que algo era fácil, instantaneamente eu me perguntava se eu poderia fazer quando cansado, em tempo chuvoso, na neve, à noite no escuro, sem aquecero corpo, com os olhos fechados, etc. E novamente eu tinha que ser cauteloso com a minha resposta, porque ela seria posta à prova imediatamente, todas as vezes. Mesmo que algo fique mais fácil, sempre há espaço para aperfeiçoamento e melhoria. Dizer que é fácil faz com que você pare de dificultar as coisas e lhe dá uma satisfação superficial.

Outra coisa com a qual eu me tornei atento foi fazer afirmações sobre os saltos ou desafios que eu pensava que podia fazer. Eu me lembro que uma vez à noite, após um treino, estávamos relaxando na casa de Romain Moutault (um dos traceurs do grupo de Lisses) quando começamos a falar sobre algumas coisas e sobre movimentos que pensávamos que conseguiríamos fazer em condições difíceis. Sendo o criador de problemas e sempre indo pelo caminho mais difícil e complicado, David com frequência me perguntava o que eu pensava de um salto ou um movimento. Mas quando você o conhece, você sabe que para ele há apenas UMA coisa que importa. "Você pode fazer aqui, agora?" Ele estava tentando ver se eu era sensato com minhas respostas, tentando achar o ponto fraco. Em certo ponto, ele mencionou um salto na Universidade de Evry e perguntou se eu poderia fazê-lo à noite. Eu pensei cuidadosamente e disse que sim. Com um sorriso no rosto, a resposta dele foi: "Ok! Vamos fazê-lo então!". De uma conversa relaxada em um quarto aconchegante, agora estamos na minha van, dirigindo para Evry.

A regra era simples: assim que eu saísse do carro eu tinha que ir direto para o salto e, sem aquecimento, no escuro, realizá-lo na primeira tentativa. Enquanto eu dirigia, eu tentava visualizar o salto e me aquecer internamente.

Aqui estou, encarando o salto, David olhando para mim e contando: 3, 2, 1... PULE. E eu pulei, errei a distância, aterrisei muito nos calcanhares e escorreguei, caí do muro e acabei com meu traseiro no chão. Eu fiquei tão irritado com a situação e comigo mesmo. Eu estava fisicamente bem, apenas com um arranhão no traseiro, mas realmente desapontado ao encarar a dura realidade naquela noite. David não teve que falar muito mais, eu tinha aprendido a minha lição.

Esse foi um de muitos exemplos, mas o princípio continuou o mesmo. 1. A não ser que você esteja 100% seguro de que consegue fazer alguma coisa, não fale que consegue. 2. Não existe nada fácil. Existem coisas para as quais você treina pesado e acaba ficando melhor. E essa situação de "melhor" pode ser indefinidamente dificultada até o ponto em que você não consiga mais fazer tal coisa. O jogo não tem fim e você nunca é um mestre.

Eu ouvi muitas vezes "Isso é fácil" e "Eu consigo fazer isso", sem nenhuma pista sobre o significado mais profundo dessas palavras. Ações falam mais alto do que palavras, e o Parkour é um mundo onde isso é muito real. Muitas pessoas comparam o Parkour com as artes marciais em algumas formas. Eu acho que se há similaridades, uma delas seria o código de ética e atitude. A filosofia e a mentalidade do Parkour começam com esses tipos de princípios em mente o tempo todo. Permaneça humilde, procure pela dura realidade, pois o resto é apenas ilusão.

Stephane Vigroux

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